domingo, 8 de agosto de 2010

PAI...

Pai, há muito penso em lhe escrever, mas nunca achei lugar para ti em todas as palavras que rimei nos versos que inventei, nem tampouco nos contos que contei ou nas cartas de amor que ofertei. Será que é por não ter tido contigo momentos de prosa e poesia, será que é por não ter uma bela história de nós para contar em contos ou será que é por não ter vivenciado contigo o amor? O que importa agora se não te lembras? Se não corre em seu sangue a saudade do que não foi, se em seus cabelos brancos não cresceram arestas de arrependimento ou se nos vincos de sua face não estão tatuadas as expressões de preocupações, de reprovações, de orgulhos e alegrias que tivera comigo?

Sabes pai, te perdoei no dia em que te vi partir, meu perdão foi derramado junto a todas as lágrimas que chorei e foram tantas quantas todos os medos contra os quais lutei.

Queria ter tido tempo de lhe perguntar: será que algum dia pensaste como teria sido as nossas vidas se tivesses sido meu pai e me chamado filha? Será que tinha me agarrado a esta escrita desnorteada, que me transporta nos sonhos e nas ilusões? Sonhos e ilusões que morrem quando percebo que sou olhada de outra maneira? E sabes porquê? Porque sou filha do nada ou seria filha do tudo, de uma mãe que não perdeu a força quando viraste as costas, que levou a vida por diante sem deixá-la entregue a própria sorte, que lutou para mudar o destino ou simplesmente porque tinha que ser assim. Por vezes penso que vocês fizeram um pacto que me empurrou para a vida que me obrigou a pegar o touro pelos cornos.
Pai, durante muito tempo foste culpado pela escolhas erradas que fiz, culpado por todos os sonhos deixados por viver, de todas as minhas derrotas e por todas as alegrias que não pude vivenciar, por meus filhos, por predestinação, também sentirem carência de pai, de avô, porque os filhos tem que ter pai, o ser humano precisa de referencias onde se agarrar nas horas de solidão.

Finalmente atingi a maturidade e clarividência suficiente para te falar disto tudo, finalmente enterrei a raiva e a mágoa, talvez nunca consiga compreender o porquê, mas deixou de doer, restou apenas uma pequena esperança de que sintas o meu estado de espírito e isso te tranquilize, porque sei que não dormes descansado, mesmo que já cá não estejas, um pai nunca dorme descansado quando deita filhos no mundo.

Veja pai , geraste uma filha que carrega um dardo cravado no sonhos, na alma versos de uma vida floreada de enganos, uma mulher com alguma esperança que há algo que alivie o fardo, indignada com a covardia dos homens que abandonam suas famílias, seus sonhos, seus amores, com a indiferença que fere a flor da pele, uma mulher com medos perenes na mente, que não silencia os soluços, uma mulher que pensa, sente, exprime-se e que não perde a essência de quem acredita no valor do amor, da família...Será que é essa a herança a que me deixou: força para seguir em frente, a vontade de desbravar terreno, de nunca se acomodar com as negruras da vida? Esta força que me move tem que ser herança de alguém, de minha mãe talvez, mas preciso acreditar que tenha me deixado algo.

Acreditarei sempre nisso, mesmo que me chamem louca.

Quitéria di Genaro

Um comentário:

  1. Esse meu desabafo, não saiu sem dor.
    Foi um parto de gravidez de estupro, onde a felicidade de gerar uma nova vida só acontece se o passado for deletado completamente da mente e da alma, ou seja: nunca.
    Foi um parto também dolorido, onde cada respiração necessária, se dividia entre a dor e a mágoa.
    E ter o feto por longo tempo carregado, não causou alívio quando a criança nasceu....ficou lá um buraco, um cordão umbilical eterno guardado no útero, um peso imaginário que nos limita em movimentos e movimentações....ficou o vácuo marcante da dor que se foi, sem precisar ter existido.
    Nesse resgate íntimo em que me exponho por completo, o que ficou foi a força do parto solitário e alguma sensação de vitória por ter, enfim, gerado uma obra.
    Esse é o meu alento, meu alimento, minha fé.

    Se o que foi está perdoado, perdoado fique.
    E que a vida continue sem a lembrança má da concepção, mas com a satisfação da conquista.

    Foi um parto, enfim, magnífico.

    JacKL

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