Era um homem com sombra de cachorro,que sonhava ter sombra de
cavalo, mas era um homem com sombra de cachorro e isto de algum
modo o incomodava. Por isto aprisionava-se no quarto,
e nas altas horas da noite quando a sombra lhe aparecia, sua alma em pêlo galopava para bem longe.
Outras vezes, era um homem que pensava tão claro que nenhuma dúvida o sombreava.
Era como ele se libertasse sempre ao meio-dia, quando o pensamento é uma mulher
que sombra alguma esconderia.
O problema era à noite quando o escuro mundo o envolvia.
Ele bem que tentava pensar claro, mas algo o incomodava tanto, até que descobriu que a claridade só ganhava sentido quando com a escuridão ele dialogava.
Era um homem que tinha uma sombra brilhante, que de tão intensa ninguém a via.
Mesmo assim ela o seguia e com ele dialogava.
Tinha-se a impressão que uma coisa ausente lhe fazia companhia o duplicava
— quase seu guia. Na verdade ele era a sombra de sua sombra
— a parte da sombra que só ele via.
Mas ele deixou de alimentar a sombra que carregava.
Alegou razões de economia e saúde. Afinal para quê se levar
algo que o duplicava? Sem a sombra pensou ... - melhor carregar o que nele carregava.
Equivocou-se. Definhou. Esfarelou. Descobriu, então, que a sombra o sustentava.
Era pois um homem que seguia a própria sombra, e juntos a tudo resistiam,
- menos às tentações. Já não se sabia se ela é que o guiava ou se ele a perseguia.
Os entendidos sugeriam que a acorrentasse. Ele tentava.
A única hora em que o homem e sua sombra coincidiam, era quando ele dormia.
Mas, pousada nele claramente, sua sombra sonhava.
A sombra não se importou e nem se emocionou.
Afinal, ela não entende nada disto.
Ela não almeja nada, mas no entanto
- conseguirá, no sentir tão solitário de quem nem sabe como materializar o sonho,
as sombras se tocarão, porque a saudade traz a sombra, e a certeza de que nada será esquecido.
Genaro,Quitéria